Quem nunca desejou amar?


Sentei no sofá cansado e triste. Olhei ao meu redor e o silêncio era perturbador. Coloquei aquela velha música para tocar. Pela primeira vez em anos eu senti. Senti as forças se esgotarem, as lágrimas caírem; senti meus medos aflorarem, minhas verdades aparecerem, meus sonhos clamarem. Não podia ser! Não naquele momento! Eu queria voltar a não sentir nada – se é que isso é possível! –, eu queria poder não me importar, não sentir, não sofrer... Eu queria não poder amar.

Por um instante, senti que duas versões de mim sentaram ao meu lado: o passado e o presente. O passado, com todos os seus sonhos, desejos e amores, me disse para sorrir, para abrir os braços e esperar o que estava por vir. Disse que o amor havia finalmente chegado, que a vida era boa, que o mundo brilhava lá fora, que Deus entalha sorrisos nas flores e que há beijos de amor por toda parte – como li no roteiro de uma peça certa vez. Já o presente, no auge da sua ignorância, da sua frieza, da sua ausência de sentimentos, clamou o sofrimento. Olhou em meus olhos e disse: “Pobre passado, tão sonhador, tão romântico, mas tão errôneo! Não vê ele que os amores não são eternos? O amor nos enfraquece!”. Aquelas palavras me fizeram sentir, mas não era o que eu queria...

Olhei para os dois. Tanto o passado quanto o presente queriam uma coisa: felicidade. Um queria crer no amor, na inocência das pessoas, nas grandes amizades, nos grandes amores... O outro, tão mais certo de tudo, tão cheio de si, sabia que nem as amizades e muito menos os amores eram eternos; só lhe restava tentar amar a si mesmo. Foi então que eu percebi que as palavras do presente eram verdadeiras; eram as palavras de quem amou, sofreu, chorou, viveu, mas que agora encontrava-se cansado, decepcionado e com o coração partido. E então? O que fazer? Esperar a vida passar sem medos, angustias, sofrimento ou lágrimas? Esperar que as coisas boas apareçam sem que não haja dor?

No fim das contas, percebi que os dois estavam errados. Depois de tantas decepções, não era mais possível sentir algo tão intensamente sem pensar nas consequências do que o amor pode nos causar, não era possível me entregar ao amor da forma mais louca, insana e irracional possível, sem temer. Também não era mais possível manter-se indiferente. Não naquele momento... Não sentindo tudo aquilo que eu sentia.

Ali, o que eu mais queria era sentir! Sim. Sentir o amor, a força das palavras; a intensidade, as borboletas no estômago, a angústia, o medo, as brigas, os beijos... Tudo aquilo que só quem amou sabe como é. Mesmo com todo o medo que o presente me apresentara, havia também nele um certo ar de sabedoria, de maturidade, algo que talvez pudesse também me servir dali pra frente, me poupando das possíveis ilusões que somente os corações apaixonados sabem criar... Acho que essa é a grande vantagem de se refletir sobre as decepções amorosas: vamos aprendendo pouco-a-pouco a descobrir o que não é amor.

No fim, vi os dois desaparecerem com suas mágoas, incertezas, certezas e amores. Restou apenas o meio termo: o futuro. Que engraçado o futuro estar entre o passado e o presente!! Perdoem-me, mas foi ali, naquele momento, que eu percebi que não importava quem fui, quem sou, mas sim quem eu gostaria de ser. Talvez um futuro com amor, mas com um amor real. O futuro, ali parado, sabia que não era possível amar sem sofrimento. Ele me disse que o amor poderia sim ser uma fraqueza, afinal de contas, quando depositamos nossas forças em alguém, queremos que aquela pessoa esteja ali ao nosso lado; mas, ao mesmo tempo, sabemos que, se um dia aquilo tudo acabar, perderemos algo valioso... Algo que construímos lentamente e que, então, se desmorona.

Finalmente ele compreendeu que não existiria a sua princesa encantada. Não existiria alguém idealizado e perfeito. Ele queria um amor real. Um amor verdadeiro. Ele queria amar.

Eu queria amar.

Acho que, no fundo, todos nós queremos isso.

Amar.

Inclusive a mais fria das criaturas.

Inclusive as mais românticas criaturas.

Inclusive os que se fazem de forte.

Inclusive eu.

 

Texto publicado originalmente em 03 de novembro de 2014

Revisado em 15 de agosto de 2020

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