Quem nunca desejou amar?
Por um instante, senti que duas
versões de mim sentaram ao meu lado: o passado e o presente. O passado, com
todos os seus sonhos, desejos e amores, me disse para sorrir, para abrir os
braços e esperar o que estava por vir. Disse que o amor havia finalmente chegado,
que a vida era boa, que o mundo brilhava lá fora, que Deus entalha sorrisos nas
flores e que há beijos de amor por toda parte – como li no roteiro de uma peça
certa vez. Já o presente, no auge da sua ignorância, da sua frieza, da sua
ausência de sentimentos, clamou o sofrimento. Olhou em meus olhos e disse:
“Pobre passado, tão sonhador, tão romântico, mas tão errôneo! Não vê ele que os
amores não são eternos? O amor nos enfraquece!”. Aquelas palavras me fizeram
sentir, mas não era o que eu queria...
Olhei para os dois. Tanto o
passado quanto o presente queriam uma coisa: felicidade. Um queria crer no
amor, na inocência das pessoas, nas grandes amizades, nos grandes amores... O
outro, tão mais certo de tudo, tão cheio de si, sabia que nem as amizades e
muito menos os amores eram eternos; só lhe restava tentar amar a si mesmo. Foi
então que eu percebi que as palavras do presente eram verdadeiras; eram as
palavras de quem amou, sofreu, chorou, viveu, mas que agora encontrava-se
cansado, decepcionado e com o coração partido. E então? O que fazer? Esperar a
vida passar sem medos, angustias, sofrimento ou lágrimas? Esperar que as coisas
boas apareçam sem que não haja dor?
No fim das contas, percebi que os
dois estavam errados. Depois de tantas decepções, não era mais possível sentir
algo tão intensamente sem pensar nas consequências do que o amor pode nos
causar, não era possível me entregar ao amor da forma mais louca, insana e
irracional possível, sem temer. Também não era mais possível manter-se
indiferente. Não naquele momento... Não sentindo tudo aquilo que eu sentia.
Ali, o que eu mais queria era sentir!
Sim. Sentir o amor, a força das palavras; a intensidade, as borboletas no
estômago, a angústia, o medo, as brigas, os beijos... Tudo aquilo que só quem
amou sabe como é. Mesmo com todo o medo que o presente me apresentara, havia
também nele um certo ar de sabedoria, de maturidade, algo que talvez pudesse
também me servir dali pra frente, me poupando das possíveis ilusões que somente
os corações apaixonados sabem criar... Acho que essa é a grande vantagem de se
refletir sobre as decepções amorosas: vamos aprendendo pouco-a-pouco a descobrir
o que não é amor.
No fim, vi os dois desaparecerem
com suas mágoas, incertezas, certezas e amores. Restou apenas o meio termo: o
futuro. Que engraçado o futuro estar entre o passado e o presente!! Perdoem-me,
mas foi ali, naquele momento, que eu percebi que não importava quem fui, quem
sou, mas sim quem eu gostaria de ser. Talvez um futuro com amor, mas com um
amor real. O futuro, ali parado, sabia que não era possível amar sem
sofrimento. Ele me disse que o amor poderia sim ser uma fraqueza, afinal de
contas, quando depositamos nossas forças em alguém, queremos que aquela pessoa
esteja ali ao nosso lado; mas, ao mesmo tempo, sabemos que, se um dia aquilo
tudo acabar, perderemos algo valioso... Algo que construímos lentamente e que,
então, se desmorona.
Finalmente ele compreendeu que
não existiria a sua princesa encantada. Não existiria alguém idealizado e
perfeito. Ele queria um amor real. Um amor verdadeiro. Ele queria amar.
Eu queria amar.
Acho que, no fundo, todos nós
queremos isso.
Amar.
Inclusive a mais fria das
criaturas.
Inclusive as mais românticas
criaturas.
Inclusive os que se fazem de
forte.
Inclusive eu.
Texto
publicado originalmente em 03 de novembro de 2014
Revisado
em 15 de agosto de 2020
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