Esquecer
Querido diário,
Eu
tenho andado tão estranho ultimamente... O passado tem batido à porta e eu
insisto em espiá-lo pela janela. Às vezes sinto a sua falta, às vezes sinto
raiva por tudo o que aconteceu... A verdade é que, no fundo, eu tenho andado
ancorado ao que passou e assustado o suficiente para seguir em frente. É
bizarro, insano e cruel comigo
mesmo.
Tantas
coisas boas me aconteceram nos últimos anos, mas parece que as ruins insistem
em ter um maior poder e talvez isso seja minha culpa. Essa minha insistência de
olhar para o passado com medo de que ele se repita tem me feito estar cada vez
mais preso a ele e a todas as mágoas,
rancores e arrependimentos.
Desde
pequeno, eu tinha medo de esquecer.
Esquecer quem sou, o que gosto, o que faço, o que quero. Várias vezes pensei em
fazer uma lista com todas essas coisas para que, algum dia, se porventura eu
esquecesse de algo, pudesse novamente me recordar.
Hoje
eu sei que, se por algum motivo, eu acabasse esquecendo tudo ao meu redor, o
mundo seria novo para mim. Não ia adiantar dizer que gosto de escrita e teatro,
que meu sabor favorito de sorvete é flocos. Não ia adiantar falar das pessoas
que amo, das minhas memórias ou mágoas... Ia ser em vão. Seria como inserir uma
história aleatória qualquer em minha vida.
Acho
que é isso que tenho feito: inserido uma história aleatória qualquer em minha
vida. A única diferença é que essa tal história eu já vivi, já fez parte de
mim. E então insiro o medo daquele eu de outrora no de hoje em dia. Os mesmos
medos de antes, as mesmas angústias... Tudo
aqui.
É
sábio eu dizer que me tornei o que eu mais temia? É seguro dizer que eu esqueci
quem eu era de verdade?
Como
eu sinto falta daquela inocência de antes, daquela bondade exagerada, dos
pensamentos bobos e idiotas, mas que, para mim, faziam o maior sentido... Como
eu sinto falta de tudo o que eu fui antes do caos surgir.
Eu
tenho vivido uma história alheia à minha, com tantos medos, tantas angústias,
tanto caos... E então eu me pergunto: quem eu finalmente sou? Do que eu gosto?
O que eu faço? O que eu quero?
Olho
para o espelho e não consigo enxergar as respostas. É como se eu fosse um ator
vivendo uma personagem sem saber a sinopse da história e que traz consigo as nuances
de uma personagem anterior.
Acho
que, no fundo, eu realizei o meu maior medo. Vivi tanto tempo fugindo do que
fui que acabei me esquecendo quem eu era de verdade.
Agora,
numa madrugada qualquer, com uma xícara de café ao meu lado, uma música
melancólica no fone de ouvido e uma angústia apertando fortemente no peito,
tento escrever, como se buscasse encontrar algum sentido para o que sinto.
Eu
já sabia disso. Já havia visto os sinais.
Só
não queria enxergar.
O
medo de reviver o passado me impede de viver o futuro.
E
o agora? O que sou?
Seria
melhor esquecer?
Ou
será, talvez, a hora de me redescobrir?
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