Luzes Acesas


A chuva caía. O céu se clareava de tempos em tempos com os relâmpagos. Olhou para baixo e viu a água correr. Livre. Dali ele tinha uma visão privilegiada: podia ver os grandes prédios ao longe, os pequenos prédios de perto e a água que insistia em correr forte e livremente. Por um instante, ele deixou todas as preocupações e dores de lado. Enxergou a luz de um apartamento se acender num dos prédios distantes. Começou a fantasiar uma história que ali existisse...

Para ele, havia um casal lá. Os dois acabaram de chegar em casa. A mulher era bonita. Tinha cabelos negros, pele parda. O homem parecia alguém comum, um comerciante talvez. Tinha os cabelos castanhos, barba por fazer, óculos e estava um pouco acima do peso. A mulher carregava em sua mão direita uma sacola com o jantar comprado no caminho para casa. Os dois iriam tomar banho, comer, conversar sobre o dia, deitar juntos e assistir a um filme bobo que passasse na TV. Estariam abraçados na cama, contando histórias, rindo do cabelo de um ator ou falando sobre alguém que tinha contado algo interessante. Iriam dormir abraçados, acordar juntos, ter um filho no ano seguinte, teriam outros filhos, netos, talvez bisnetos...

O rapaz voltou a si. Como uma história poderia ser tão perfeita daquela forma? Ele não conseguia mais acreditar num amor tão idealizado quanto aquele. Havia tido, recentemente, o seu coração partido de uma forma extremamente cruel pelo seu primeiro amor. Mesmo assim, por mais que soubesse que não havia mais um futuro para eles dois, como não acreditar no amor?

Ele sentou na cama. Olhava para a janela buscando enxergar alguma resposta, mas nada conseguia ver. Talvez nem um casal morasse naquele apartamento. Fora tudo fruto da sua imaginação...

Seus olhos encheram-se de lágrimas. Sentiu sua respiração acelerar. Porque tudo havia acabado tão rápido? Porque ele não pudera realizar todos os sonhos que planejara ao lado do seu amor?

Foi então que ele percebera a verdade, a mais dura e cruel verdade. Fora tudo fruto da sua imaginação... Não o seu amor, nem a sua história, mas o futuro ao lado da garota amada. Ele queria ser feliz ao lado dela, queria amá-la, beijá-la, passar o resto da sua vida ao seu lado, ter o tão sonhado “felizes para sempre”, mas ele nada pode fazer... Ela não o queria mais.

Naquele momento ele percebeu algo que nunca havia notado. Seja no amor ou na vida, de um modo geral, as coisas nem sempre seriam como ele as havia planejado. O amor, os seus sonhos e planos, todos eles funcionariam perfeitamente na sua imaginação, mas, na realidade, era tudo muito mais complexo... Era tudo muito mais real.

Talvez aquele casal chegasse em casa sem trocar uma palavra. Talvez estivessem ao ponto de se divorciarem. Talvez estivessem prestes a encontrar um ponto de virada em sua relação... Nada era certo. Nem para aquele casal, nem para ele.

Talvez o amor fosse assim: uma doce ilusão com pitadas de realidade – ou vice-versa –, onde numa noite qualquer, ou numa manhã qualquer, tudo poderia se desfazer. Cada um seguiria seu rumo com suas feridas abertas no meio do peito e que, pouco a pouco, iriam deixar de doer, tornando-se apenas cicatrizes.

Afinal de contas, quem disse que toda história de amor deve ter um final feliz? Talvez o foco esteja errado. E se o começo e o meio da história forem mais importantes do que o fim? E se a felicidade estiver nos dois primeiros e não no último?

A verdade é que, por mais que desejemos, não há e nem nunca haverá um “felizes para sempre”. Até mesmo os mais belos casais um dia se despedem, afinal de contas, a morte é inevitável – o que não significa o fim do amor.

Enquanto enxugava as suas lágrimas, o garoto finalmente percebeu que amar não é querer proteger o outro de sofrer, muito menos passar a eternidade com aquele alguém. Amar é estar ao lado, independente das alegrias ou das tristezas, com todas as imperfeições que podem surgir, mas tentando viver tudo aquilo da forma mais feliz possível para que, quando a despedida chegar – seja pela morte ou pela vida –, os momentos felizes tenham sido mais importantes e marcantes.

Como diria Aleilton Fonseca no conto “O Desterro dos Mortos”: “Enquanto há vida, há desespero!”. A dor é inevitável. O fim é inevitável. Contra eles, nada podemos fazer. Só nos resta seguir em frente, com todas as cicatrizes e lembranças, talvez deixando as luzes acesas para que, quem saiba, mais uma vez, possa surgir uma história de amor. Seja ela perfeita ou não.

 

Texto Originalmente postado em 17 de dezembro de 2014

Revisado em 23 de agosto de 2020

Comentários

  1. Lindo texto!
    Um dia, de uma forma ou de outra, todos nos despedimos e se tudo fosse perfeito não haveria graça, não haveria emoção; Enquanto há emoção, há vida.
    Beijos!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A Resposta da Ninfa ao Pastor – Walter Raleigh

Sentimento #016 – O Significado do Amor