Pinóquio


Acho que, na infância, todos tínhamos algum desejo oculto. Muitos queriam ser um super-herói – eu, por exemplo, desejava ser o Tai, de Digimon; não julguem –, outros queriam algum brinquedo... No fundo, o que eu mais desejava era que os meus bonecos falassem. Acho que, por ser filho único, por não ter tantos amigos e por não me identificar com a maioria das pessoas da minha idade, eu criei o meu “infinito particular”. Gostava de viver entre bonecos, livros e qualquer objeto que eu pudesse transformar em um castelo, uma fortaleza... O que eu quisesse. Dentre todas as histórias que li, a que eu mais gostava era a do Pinóquio, o boneco que queria ser gente e que não poderia mentir. Sempre fui um inimigo das mentiras. Até mesmo das pequenas.

Recentemente, ao caminhar, uma notícia pairava em minha mente: “Morre o Ken Humano!”. Ironia. Morre o Pinóquio moderno: o homem – ou garoto – que queria ser boneco. De fato, minha comparação parecia ser sincera: a história estava invertida. Creio que, quando Pinóquio foi criado, vivíamos em mundo onde o enaltecimento do ser humano era mais fervoroso. Enxergávamos a nossa supremacia, criávamos e controlávamos máquinas. Hoje as máquinas nos controlam. Vivemos reféns de celulares, computadores e tantos outros aparatos tecnológicos. Já somos robôs.

Cinderela não mais espera o seu príncipe encantado. Chapeuzinho Vermelho não mais passeia pela floresta. O lobo mau não mais existe – coitado! –, foi caçado e virou um tapete de algum homem rico. Os três porquinhos, se fossem humanos, não precisariam construir suas casas. Se fossem porcos, já teriam sido assados em algum fim de semana familiar. Príncipes abandonaram cavalos e compraram seus carros e motos. Vivemos em um mundo onde a magia, onde a fábula, deixou de existir. Vivemos num mundo ao contrário. Ser humano não é mais utópico, é realidade. Hoje, os poucos que sonham, ignoram a humanidade porque veem, nela, que não há mais perfeição. A crueldade do ser humano se faz presente e mostra as caras todos os dias. Somos os nossos próprios vilões.

Queremos ser bonecos. Queremos um mundo utópico onde haja um “felizes para sempre” e não um “até que morramos num assalto ou num acidente”. Queremos ser bonecos para tentar viver um pouco dos sonhos de uma criança. Se bem que, hoje em dia, até mesmo as crianças estão perdendo a essência do “sonho”, da “mágica”. Por mais que digam que um adulto não deva sonhar, que ele deva encarar a realidade seca, dura e fria; eu renego essa convenção. Continuarei a sonhar, continuarei a viver a minha infância mesmo que em pouca parte do tempo. Eu não quero ser apenas mais um humano ou apenas mais um boneco... Eu quero apenas sonhar, rir de coisas idiotas e, ainda assim, ser um adulto. Eu quero a cor de sonhos e ilusões, mas sem perder o toque de realidade.

Em um mundo com tantos “humanos”, humanidade é o que menos parece existir.

Texto Originalmente publicado em 06 de junho de 2015.

Revisado em 19 de janeiro de 2021.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Resposta da Ninfa ao Pastor – Walter Raleigh

Sentimento #016 – O Significado do Amor