Esperança


- Então é isso, meu bem. Chegou ao fim... – Ele olhou sua esposa ali. Inerte. Morta. Sem reação alguma além de um doce sorriso no rosto.

A morte o surpreendera, aliás, os surpreendera. Em menos de uma semana, ela passou de uma mulher extraordinariamente comum a um cadáver. Para ele, ela continuaria a ser, para sempre, aquela mulher por quem ele se apaixonara naquele dia de inverno, onde uma chuva os deixara ilhados em um pequeno mercado. Ele a ajudou, ela sorriu; ele conversou, ela respondeu; ele lhe deu o número de seu telefone, ela o ligou; ele a chamou pra sair, ela aceitou; ele sorriu, ela o beijou; ele a amou, ela o correspondeu; ele a pediu em casamento e ela aceitou. Seis anos foram suficientes para uma das mais belas histórias de amor que ambos jamais poderiam imaginar. Uma história repleta de acasos, de amor e de deliciosos momentos a dois.

A morte os surpreendera tanto quanto a vida. A vida a dois que eles jamais imaginaram, os sorrisos que eles jamais pensaram em dar, os beijos que eles jamais esperaram, as brigas que eles jamais quiseram, os sonhos que jamais sonharam. Agora, tudo se resumia a ele, em frente a um caixão, e ela ali, serena, inerte, pálida, mas com aquele mesmo sorriso estampado na gélida face, o mesmo sorriso de quando se conheceram, com as roupas molhadas, com o desespero estampado na face. Agora, o desespero era outro e ele se sentia da mesma forma que antes: sem rumo. Da outra vez, ele não sabia se seria levado por uma correnteza, agora ele tinha a certeza de que fora levado pela pior e mais devastadora de todas as correntezas: a morte; a morte que levara a mulher de sua vida, o seu grande amor.

A morte os surpreendera tanto que o fizera enxergar que aquela era uma vida boa, que, com todas aquelas brigas comuns, ele era feliz. Agora era tarde. Agora não havia mais saída, não havia mais um portão para se segurar e escapar da correnteza. Agora, o seu portão, o seu alicerce, havia partido. Agora, a sua chance era encontrar um portão dentro de si, um lugar seguro, onde pudesse hoje, amanhã e sempre, encontrar a força necessária para sobreviver.

– Chegou ao fim... – Ele tocou naquela mesma mão de antes e chorou, chorou como quem nunca tivera chorado. Era um choro repleto de dor e paixão, um choro jamais sentido por ele. Porém, no fundo ele sabia que a vida ainda o surpreenderia, não necessariamente com um novo amor, mas com boas lembranças. Havia esperança nele, havia uma doce esperança que, mesmo oprimida, esperava apenas o momento ideal para se manifestar. Esperança. A esperança que todos nós precisamos. A que todos nós queremos. A esperança com a qual aquela doce mulher inundara a sua vida.

 

Texto Originalmente publicado em 14 de setembro de 2015.

Revisado em 19 de janeiro de 2021.


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