Sobre Finais Felizes


Os carros passam com suas buzinas exageradas. As pessoas, apressadas, correm sem nem olhar para o lado. É tarde. Véspera de Natal. Eu estou ali, a única pessoa em um restaurante meio vintage. Provavelmente os funcionários cuspirão em meus pratos e minhas bebidas, mas eu não me incomodo. Não mais.

É engraçado como as pessoas correm para suas casas nesses dias. Há esperança nelas. Há uma esperança de que, naquela noite, tudo seja perfeito. Seus maridos, esposas, filhos, avós, netos, pais, irmãos; todos eles serão as melhores pessoas do mundo. Todos colocarão sorrisos estampados na face e gritarão mensagens de paz, amor, felicidade, realizações e blá blá blá. No dia seguinte, todos vestirão suas roupas comuns, tirarão suas máscaras e mostrarão suas verdadeiras faces repletas de arrogância, egoísmo e superficialidade.

Cá estou eu, na Véspera de Natal, sozinho em um restaurante qualquer apenas observando as pessoas que passam. Meu vinho faz morada naquela taça há cerca de vinte minutos. Eu estou sozinho. Na realidade, eu estou sozinho há um bom tempo. Essa parece uma das cenas que tanto imaginei para a minha vida: eu, um mero coadjuvante da minha própria história, sozinho, na cena final, apenas esperando os créditos aparecerem para que eu possa deixar de existir, para que toda a minha existência tenha sido em vão e que, no fim, todos se lembrem apenas dos protagonistas. Eu não sou o protagonista.

Esse é o meu “final feliz”. Um “final feliz” encontrado por um autor meia-boca qualquer que, insistentemente, quis dar um final a um personagem que apenas serviu de impulso e de clímax para os protagonistas, que, a essa hora, estarão curtindo um beijo debaixo da chuva (não está chovendo aqui, mas lá estará), ou quem sabe estarão fazendo sexo no banheiro de um avião, chegando a um destino exótico, tendo aquelas belíssimas cenas de finais de filmes. E eu aqui... Em um restaurante qualquer, sozinho, com uma taça de vinho e uma lágrima relutante em cair, afinal, dizem que homem não chora, mas nesses filmes temos de colocar um homem sofrendo para mostrar que nós somos passíveis à dor do amor. Para minha sorte, o autor vai colocar uma bela e excitante mulher para entrar a qualquer minuto pela porta – especificamente na minha frente –, ela virá em câmera lenta e sorriremos um para o outro, dando a entender que eu, o coadjuvante bundão e idiota, tive um final feliz.

Puta merda! Como podemos acreditar nesses finais? Eu não terei o meu final feliz. Não aparecerá ninguém por aquela porta. Seremos eu, os funcionários e as pessoas que por aqui passarão. Eu provavelmente irei chorar copiosamente, irei sair do restaurante e seguir pelas ruas com a postura firme até chegar em casa, onde chorarei mais e mais, por dias e dias, bebendo todas as minhas bebidas... Até que, quando eu ver que estou no fundo do poço, irei levantar, fazer a barba, me olhar no espelho, colocar uma roupa melhor e sair para trabalhar. Os livros e filmes não contarão isso, mas esse será o meu “final feliz”. Um final que nunca será imaginado, que nunca será escrito. E eu serei lembrado apenas como aquele que esteve ao lado da mocinha e que foi altruísta o suficiente para deixá-la ir ou como aquele cara que foi trocado por um protagonista babaca, sem caráter e egoísta; um cara que se iludiu durante uma parte do filme – enquanto a mocinha tinhas as suas dúvidas sobre qual dos homens escolher.

Não sei. Acho que seja a hora d’eu pegar a caneta e mudar os rumos da história. Escrever um novo final, um final diferente, divertido e ousado.

Um final para mim.

O meu final feliz.

 

Texto Originalmente publicado em 22 de setembro de 2015.

Revisado em 01 de fevereiro de 2021.


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