Tempo


O relógio na minha frente parece mentir. Já faz tanto tempo... Tanto tempo... Eu queria poder voltar no tempo, queria poder corrigir os meus erros, não ter aceitado os teus. Eu devia ter amado mais... Eu devia ter tentado mais...

Um ano se passou. Tantas coisas mudaram... Eu mudei. Fui traído por amigos e amores. Fui jogado aos leões e sobrevivi. Enfrentei tempestades, vendavais e infernos; mas nenhum deles foi capaz de me desorientar tanto quanto você. Eu mudei. Acho que me tornei um remendo de sentimentos, um boneco quebrado que foi posto à venda no fundo de uma prateleira escondida. Um velho boneco com sentimentos que insiste em olhar para o relógio e lembrar de momentos que mereciam ser esquecidos.

Uma década se passou. Tantas coisas mudaram... Eu mudei. Fiz novos amigos, perdi tantos outros. Tive vários amores e hoje casei. Tenho uma esposa, filhos a caminho... Tudo parece ter se encaminhado aos poucos e eu não mais tenho notícias de você. Eu não tenho mais notícias do meu primeiro amor. O velho boneco, eu, foi comprado, restaurado e ganhou uma nova vida. Ele seguiu seus sonhos, enfrentou guerras e demônios internos. Se reergueu e caiu tantas vezes que os dedos das mãos são incapazes de contar. O relógio tornou-se esquecido. O tempo passou tão rápido e ele nem se deu conta.

Uma vida se passou. Tantas coisas mudaram... Eu mudei. Vi meus amigos morrerem, vi a mulher que tanto amei partir. Vi meus filhos casarem, tive netos, tive novas lembranças. Minha vida seguiu seu rumo perfeitamente, o rumo natural das coisas: nascer, viver, morrer. Hoje, à beira da morte, não vejo a esperança que me rondou durante os anos após te conhecer. Olho para a minha frente e vejo um relógio. Em meio aos sons quase inaudíveis das batidas do meu coração, sinto um pulsar forte em mim. As lembranças se fazem presentes, você me vem à mente; vejo novamente a tua foto (aquela foto), o teu sorriso visto do alto da escada onde eu me encontrava, do abraço que te dei em meio ao meu suor. Minhas mãos quase frias da morte lembram dos teus dedos se encaixando perfeitamente nos vazios entre os meus. Tudo na minha mente... Apenas na minha mente.

Uma vida se passou. Tantas coisas mudaram... Eu mudei. Porém, no fundo de mim, onde a luz nunca mais ousou encostar, eu sabia que existia algo: aquele velho eu, aquele velho garoto repleto de medo, repleto de amor e de inseguranças que um dia ousou te amar. Havia dentro de mim ainda aquele amor. E enquanto ouço e sinto meu coração desacelerar, eu sinto a tua mão tocar na minha, ouço a tua voz. Finalmente eu encontro a paz.

Apenas um ano se passou. Tantas coisas mudaram... Eu mudei. Porém, dentro de mim, há algo pulsante; algo abafado. Algo que precisa ser sufocado. Um amor, uma dor, um temor. O relógio não mente. O tempo passou e eu sei que ainda te amo, mesmo que contra a minha maior vontade: a de te esquecer.    

 

Texto Originalmente publicado em 19 de outubro de 2015.

Revisado em 01 de maio de 2021.


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