Dois Corações

Era uma vez um coração assustado. Era um coração grande, machucado, ferido, que se escondia incansavelmente perto de dois pulmões saudáveis. O coração, abatido, chorava horas e horas por um antigo amor. Ele tentava se reerguer várias e várias vezes, mas parecia estar numa roda gigante que nunca parava e nem o permitia descer.

Era uma vez um coração assustado. Ele era um coração tão medroso que tinha medo da tristeza e da felicidade. Fugia da felicidade com medo da tristeza, fugia da tristeza em busca da felicidade. Era um coração meio masoquista o danado, mas sabia o que queria: viver uma história que o fizesse sorrir. Não precisava durar uma vida inteira. Quem sabe um verão ou um inverno? Um dia, dois ou, até mesmo, três?

Era uma vez um coração assustado. Ele costumava correr para as montanhas em qualquer chance de felicidade e era lá onde ele se refugiava quando estava triste, para onde ele fugia. Coração bobo, infantil, imaturo, que carregava consigo tanta vontade de viver, mas um medo implacável que ele não conseguia controlar. Pobre coração!

Era uma vez um coração assustado. De tanto se isolar, ele sentiu a solidão. Ficou completamente só, destruiu sonhos, perdeu amizades, fugiu do amor e se afundou na dor. Uma dor tão profunda que ele não conseguiria suportar sozinho; mas ele teve que aprender a fazer isso. Em meio à solidão, esse coração encontrou abrigo em si mesmo: ao lado daqueles dois pulmões saudáveis.

Era uma vez um coração assustado que se reencontrou aos quarenta e cinco do segundo tempo. Reencontrou-se em si mesmo. Um coração que tanto buscou a felicidade fora dele e que acabou encontrando-a onde menos esperava no final das contas. E foi assim, com a felicidade em si, vinda de dentro dele, que ele conseguiu se permitir. O velho coração assustado reencontrou um outro coração assustado – um coração conhecido –, tão assustado quanto ele e que havia se isolado da mesma forma por motivos semelhantes.

Era uma vez dois corações assustados, medrosos, que, cansados de sofrer, encontraram a felicidade neles mesmos e resolveram compartilhar aquilo tudo um com outro. Era uma amizade, carinho, paixão, amor, o que fosse. O que importava para aqueles dois corações assustados não era o rótulo criado para os seus sentimentos um pelo outro. O que importava para aqueles dois corações assustados não era o medo do passado nem do futuro. O que importava para aqueles dois corações assustados era poder ouvir as batidas do outro quando eles se encontravam num abraço apertado quase esmagador. O que importava para aqueles dois corações era apenas a presença, o “poder contar um com outro”, o carinho.

Era uma vez dois corações assustados que encontraram neles mesmos o que precisavam.

Era uma vez dois corações assustados que encontraram um no outro o que eles mereciam.

 

Texto Originalmente publicado em 23 de dezembro de 2015.

Revisado em 12 de agosto de 2021.

Comentários

  1. Se eu fosse egoísta, diria que essa música é minha. Mas resolvi chamar o que sinto de ciúme, daí me transformo de mesquinho direto pra romântico.

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