Querido Papai Noel

Cansado, ele tirou a roupa que trajara durante todo o dia. Como toda armadura, aquela era pesada, quente; mas ele sentia prazer naquilo. Vestir-se de Papai Noel tornara-se um desejo, uma vontade que gritava tão alto que o fizera deixar seu mês de férias coincidir com o mês do Natal – não por parentes ou amigos, mas pela emoção de usar aquela roupa e levar alegria para algumas pessoas.

Raul sabia do trabalho árduo. Passava os dias nas ruas com alguns pequenos presentes – uns feitos por ele, outros comprados em lojas baratas –, ele também levava flores e entregava para algumas das pessoas que passavam por ele. Não precisava ser criança, não precisava pedir nenhum presente de Natal; ele apenas fazia aquilo que o seu coração mandava. Fazia com amor, paixão, satisfação e, acima de tudo, gratidão. Raul era um bom homem, sorria para todos, arrancava sorrisos tão enormes quanto os dele. Porém, no fundo da sua alma, havia algo sombrio, algo que encobria o seu sorriso e somente poucas pessoas conseguiam enxergar.

Ele tomou seu banho, comeu, vestiu uma roupa qualquer e sentou-se no sofá. Era véspera de Natal. De sua casa ele podia ouvir os gritos comemorativos, as músicas natalinas, o cheiro da comida que invadia o lugar e o fazia pensar, refletir e, até mesmo, chorar. Foi então que Raul buscou uma pequena caixa de madeira. Abriu-a em seu colo e sentiu novamente aquele cheiro de lavanda. Ali havia uma flor seca, uma carta e uma foto. A flor fora a primeira que ganhara daquela mulher que tanto amou. A foto fora a que marcou um dos dias mais felizes da sua vida. A carta era a lembrança do dia em que ela o deixou. Nela, agora, as palavras pareciam apagadas, totalmente desconexas, sem sentido. Não havia motivo aparente para o fim. Ele havia feito tudo da forma mais correta possível: amou, não traiu, compreendeu, escutou, cuidou; mas se esquecera do mais importante: enxergar. De tão cego de amor, Raul sequer enxergou que a mulher da sua vida não era mais a mesma.

Flávia partiu deixando as palavras de que “não se sentia mais feliz e que não conseguia amá-lo mais”. Seu coração tornou-se uma incógnita. De dia, ele era frio, um homem fechado que chegava ao trabalho, não cumprimentava quase ninguém – exceto o porteiro, um amigo de longa data – e fechava a cara para toda e qualquer piada que os homens pudessem fazer. Ele não sentia prazer em conversar com ninguém. Calou-se para a vida. À noite, ele tornava-se o seu verdadeiro eu: chorava, pensava em “n” formas de como acabar com o seu sofrimento – seja na vida ou na morte –, mas de nada adiantava. No fundo, Raul ainda acreditava que a felicidade podia bater a sua porta, que a mulher da sua vida podia aparecer novamente, sorrir, pedir perdão e pular nos seus braços. Todas as vezes que batiam na porta de sua casa, seu coração se enchia de alegria, como se ela ali viesse uma vez ou outra, desse-lhe esperanças e então voltasse atrás. Porém, ela não faria isso. Ela não o magoaria intencionalmente.

Véspera de Natal. Sete anos antes. Ele chegara em casa do trabalho e lá estava aquela carta. Desde então, suas noites de Natal foram as mais tristes possíveis. Nada de festas, nada de amigos e/ou parentes. Ninguém. Enquanto ele chorava e se afundava nos mais profundos vícios, nenhum dos seus amigos ousara perguntar sobre o seu estado. Alguns perguntavam, mas em nada se propunham a ajudar, soltavam um “vai passar!”; outros apareciam quando bem lhes entendia e Raul tratava de mandá-los embora. “Oportunistas! Interesseiros!”, era o que ele vociferava para todos aqueles que o buscavam pedindo algum favor. Foi então que, poucos dias após a partida do seu grande amor, ele fora surpreendido por uma pequena garota de rua que entregara em suas mãos uma flor, uma flor tão bela como a que estava naquela caixa. Uma flor que ele guardara em outro lugar tão especial quanto aquele. Naquele momento, quando Raul pensou que a vida jamais iria sorrir para ele, ele fora surpreendido. Havia um sorriso enorme estampado no mundo, um sorriso maravilhosamente belo. Ele sabia o que faltava em sua vida: um motivo. Passou o ano seguinte juntando dinheiro, comprando presentes, cultivando flores que haviam sido filhas daquela que ele recebera da garotinha. E então a magia se fez.

Por mais que houvesse a tristeza em sua vida, Raul encontrara o motivo que faltava para viver. Todas as vezes em que os pensamentos ruins invadiam a sua mente, ele se lembrava daquela garotinha, se lembrava de como poderia arrancar sorrisos tão belos quanto o que lhe fora arrancado naquele dia.

Agora, sentado, sozinho em sua casa, Raul mais uma vez questiona-se se aquilo realmente valia a pena. De que adianta arrancar sorrisos e mais sorrisos se nele faltava justamente o amor que ele tanto queria levar? Já passava da meia noite. Entre os últimos goles de uma garrafa de whisky, ele ouviu os gritos das crianças com seus presentes deixados por Papai Noel. Um misto de alegria e tristeza tomou conta dele. Um sorriso, em meio às lágrimas, se fez presente. E então, como uma doce criança que espera o seu presente de Natal, ele olhou pela janela, sorriu para o céu; mas dessa vez não pedira a Papai Noel para ver novamente o sorriso da mulher que ele amava porque, após sete anos, seu desejo havia se realizado no meio da rua, ocasionalmente, sem expectativas e sem ela o reconhecer. E dessa vez, diferente de todos aqueles anos anteriores, ele apenas pediu para que fosse amado mais uma vez.

Texto Originalmente publicado em 11 de dezembro de 2015.

Revisado em 12 de agosto de 2021.


Foto tirada por mim em dezembro de 2014.

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