Enfim, o Fim

Por mais que eu odeie o velho clichê de pensar no lado positivo de todas as coisas, sinto que 2020 tenha tido um efeito terrivelmente benéfico em mim. Apesar do isolamento, do risco de contágio, das mortes, do número de pessoas que adoeceram; falo num sentido um pouco mais íntimo. Falo aqui para além da minha necessidade de desacelerar ou de descansar.

Inicialmente, eu cheguei a pensar que talvez pudéssemos sair melhores de tudo isso, que as pessoas milagrosamente iriam se tornar mais humanas e altruístas – e, sinceramente, tenho visto o contrário. Na verdade, enquanto eu me via trancado em casa, no meu quarto, na minha sala, passei pelos mais variados estágios. Da tristeza profunda à autorrealização. Da ansiedade intensa à paz espiritual. Aos poucos, fui aprendendo, durante esse ano, a tentar focar um pouco mais em mim, nas minhas dores, nas minhas angústias e, também, naquilo que me faz feliz.

Acho que a ideia de se isolar pode trazer consigo essa reflexão. Quando estamos sozinhos por muito tempo, o pensar no mundo lá fora parece se tornar cada vez mais distante – o que pode ser extremamente perigoso e tento não pensar nisso agora. Foi assim. Inicialmente pensava em como gostaria de estar em outros lugares, de como gostaria de manter a minha rotina. Depois parti para o pensamento de “você está sendo egoísta; pessoas estão morrendo no mundo todo”. Daí veio a culpa por pensar em mim em meio a todo o caos.

Acho que é natural. Quando a gente para de viver o mundo em toda a sua intensidade cotidiana – embora as redes sociais nos tragam doses homéricas de informações –, o nosso próprio mundo parece se restringir a um espaço menor. Antes as ruas, as salas, os carros, os rostos, tudo aquilo me enchia de informações. Foi então que me vi trancado, isolado, com medo. Pessoas com máscaras, pessoas morrendo. Tudo o que me era novo chegava por meio do celular, do computador, das redes sociais e, muitas vezes, isso era angustiante. O meu contato externo foi restringido. De um mundo inteiro para um mundo interior.

Depois do cansaço com Twitter, Instagram, WhatsApp e, até mesmo, Facebook, veio o eterno questionamento do se encarar no espelho, do apenas se ver, do não entrar em contato com nada para-além-daquilo. Acho que isso me induziu a pensar mais em mim, a me estudar minuciosamente. Eu não podia mais fugir de mim com as inúmeras obrigações que me faziam chegar em casa exausto e sem a capacidade de pensar em nada além de uma boa noite de sono.

Fui forçado a pensar em mim. Pouco a pouco, fui me conhecendo mais, me redescobrindo mais. Talvez, até, me temendo mais. O isolamento fez com que eu confrontasse os meus próprios demônios. E então, como no epílogo de um livro clichê, eu me vi me reinventando, me recriando. Novos modos de ser mais ajustados a quem eu sou e não a quem eu-deveria-ser-para-os-outros. Talvez isso tenha afastado algumas pessoas. Talvez tenha aproximado outras pessoas.

No fim das contas, por mais egoísta que possa parecer o meu período de autoanálise comparado ao que aconteceu no mundo no último ano, acho que acabei me tornando um pouco mais forte do que eu era. Mais forte não para lidar com o outro, não para enfrentar o mundo lá fora, mas para encarar aquilo que mais poderia me assustar: eu mesmo. Os meus próprios medos.

Enfim, o fim desse ano. Por mais que eu tenha perdido algumas coisas, por mais que eu odeie essa positividade exagerada, por mais que eu não queira encarar esse período como um momento de “retiro espiritual”, o meu ano acabou me revelando um pouco mais de mim. Talvez eu saía disso tudo melhor do que antes. Talvez não. A verdade é que, diante do medo de morrer, eu precisei encarar os meus próprios medos, a minha própria história e, assim, me reinventar.

Acho que a virada de ano seja sobre isso... Sobre uma nova tentativa de se reinventar... Esse ano, talvez, o meu eu do dia 31/12 seja muito, mas muito diferente, do meu eu de 366 dias antes. Acho que, no fim das contas, o pedido que fiz ao final do último ano foi atendido.

Enfim, eu voltei a me amar. 


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