Quando Tudo Isso Começou
Quando tudo isso começou, eu estava perdido. Para além do medo e da incerteza sobre o mundo lá fora, eu estava longe de mim mesmo. Eu não sabia o que eu queria, havia perdido o interesse por inúmeras coisas que eu achava que nem pudessem existir mais.
Eu tinha
medo – não que hoje eu o tenha perdido; ele ainda está aqui. Eram vinte e
quatro horas de insegurança, de pânico, de não saber o que poderia acontecer
comigo ou com as pessoas que eu amo. Era tudo tão complicado... Era tudo tão
assustador. As horas passavam vagarosamente. Eu conseguia fazer mil e uma
coisas durante um dia na tentativa de simplesmente não pensar.
Os
jornais me assustavam. Eu os evitava. Os infectados, os mortos, até mesmo os
curados me causavam terror. Era como se eu, mesmo que não saindo de casa, não
pudesse mais ter controle de nada. Era como se a minha pele, as roupas e as
máscaras não fossem capazes de conter o vírus e me proteger. Qualquer
necessidade de sair era vista com pavor.
Um
dia, assustado, lavei minhas narinas com sabão. Aquele ardor permaneceu por
horas. Chegar em casa tomou outras proporções. Não havia mais a possibilidade
de enrolar para o banho – aquela preguiça gostosa de se jogar no chão e esperar
a coragem chegar. Era algo que precisava ser feito imediatamente.
O cheiro
do álcool após a limpeza dos produtos recém-comprados me enojava. Dor de
cabeça, enjoo, uma verdadeira repulsa, e os jornais ainda noticiando as mortes
– não as mesmas, outras, o que as tornavam mais assustadoras ainda.
Lembro-me
como era antes disso tudo. Sempre tinha alguém que havia morrido. Um ator ou
atriz, um cantor ou cantora, até mesmo alguém que nós nunca havíamos ouvido
falar. Sempre houve a morte e agora ela se tornara mais assustadora do que já
era – pelo menos para mim.
Nas
redes sociais, a produtividade clamava, os vídeos engraçados expandiram-se
tanto que se tornaram entediantes. Nem mesmo as novelas, filmes, séries e
livros conseguiam me cativar tão profundamente. Antes, quando eu não tinha
tempo para mim, tudo parecia utópico, tudo era aguardado com a mais intensa
alegria... Era aquele doce momento no final da tarde de um sábado, onde eu me jogava
na cama e me deixava levar por alguma série boba na tentativa de esquecer o
resto da semana.
E o
mundo lá fora? E quem estava lá? Ou melhor: e quem precisava estar lá?
Meus
medos podiam estar sendo mínimos, meus problemas e minhas angústias também. E
eles?
O
mundo mudou bruscamente e enquanto eu tentava me agarrar na expectativa de um
mundo melhor, nada pareceu se modificar. Tudo indica que ainda continuamos os
mesmos de antes, talvez apenas equipados com máscaras e garrafinhas de álcool
em gel, mas os mesmos... Talvez com problemas a mais, mas continuaremos os
mesmos... Toda aquela crença de “sairemos mais fortes”, “sairemos mais unidos”,
“sairemos melhores”... Tudo se foi pelo ralo.
Não
creio que sairemos melhores nem mais fortes do que antes.
Talvez
alguns consigam essa proeza.
O que
isso tudo me ensinou, porém, não teve a ver com os outros, mas comigo mesmo. Em
meio ao medo de viver, me vi imerso abruptamente no medo da morte. Um medo mais
aterrorizante e assustador do que o primeiro.
No fim
das contas, a verdade é que eu mudei. Não sei se para melhor ou para pior.
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