Nota Mental nº 300
Dia
desses me questionei sobre mim. Ao me olhar no espelho, não fui capaz de me
reconhecer mais. Parece haver, no lugar do meu reflexo, um outro eu, um alguém
que não consigo mais identificar. O cansaço, as dores, as marcas; tudo parece
ter tomado conta de mim. E eu?
Por
tanto tempo me doei aos outros, ao mundo, à vida... E eu? Pareço ter me
esquecido justamente do que mais deveria me importar naquele momento. De mim
mesmo.
Resolvi
então me cuidar. Busquei fórmulas, receitas, sugestões. Nada. Nada parecia me
caber.
Eu.
Uma velha máquina enferrujada que necessitava de reparos, de cuidados...
Cuidado...
Palavra
bonita.
Ao
longo da vida pude experimentar doses de cuidado. Aos amigos, aos amores, aos
parentes, aos clientes, aos... E eu? Quando devo ter cuidado de mim?
Talvez
naquela viagem ou naquela tarde qualquer em que me permiti devorar uma obra de
Ágatha Christie com fervor ou quando me permiti assistir a todos os filmes que
se encontravam na minha lista ou quando eu simplesmente não fiz absolutamente
nada, apenas olhando para o teto do meu quarto na esperança de que tudo pudesse
passar.
Cuidado...
E eu?
Acho
que, com o passar do tempo, eu tenho esquecido de me cuidar. Logo eu, que
sempre amei cuidar dos outros, havia esquecido de zelar justamente daquilo que
me permitia fazer o que eu mais amava...
Amar,
cuidar... E eu?
E eu?
E eu?
E eu?
O que
restou de mim? Um velho remendo que não mais se reconhece diante do espelho,
que se esquece, que se anula, que se empobrece.
E o
tal do cuidado?
Olho
novamente para o espelho. Vejo a mesma figura pálida, com enormes bolsões de
olheiras. Os cabelos desgrenhados, o sorriso cansado, as marcas de máscaras...
Tantas e tantas máscaras... O que há por trás delas?
E eu?
Quem
sou eu de verdade?
O que
eu quero ser?
O que
eu posso ser?
E se
eu for eu?
E quem
sou eu?
Sinto
o toque da minha pele, cansada, exaurida.
Quando
eu me esqueci de mim?
E
agora? O que fazer para recomeçar?
E se
eu simplesmente abrisse a janela e deixasse o vento entrar?
E se
eu tentasse, ao menos dessa vez... Começar por mim.
Amar a
mim mesmo.
Cuidar
de mim.
Talvez
eu não precise de uma receita sobre como cuidar de mim... Talvez ela esteja
aqui, diante do espelho...
E se
hoje, eu simplesmente, pudesse começar a, também, cuidar de mim?
Texto
criado por mim para a atividade extensionista complementar da UEFS intitulada “Interfaces
do Cuidado: Psicologia, corpo e arte”, sob a orientação e supervisão das
professoras Shiniata Menezes e Ana Rita Ferraz.
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