Filhos do Ódio
Eu tenho andado um pouco cansado
do mundo. Na verdade, já fez um tempo que certas relações e atitudes têm me
deixado exausto, sem desejo de conviver, nem mesmo de acompanhar o que a
maioria das pessoas fazem. Parece que, hoje em dia, tudo se resume a um ódio
desenfreado, a uma verdadeira busca por empatia que utiliza, como meio para tal
fim, a raiva contra o outro. Parece não haver acolhimento, parece não haver
sequer uma escuta... Tanta gente fala em seus “cento e pouco caracteres”, mas
parece que ninguém têm a vontade – ou a coragem – para ouvir/ler o que o outro
quer dizer.
Se você diz estar mal, é
pessimista. Se está apaixonado, é trouxa. Se aparece em uma festa – em tempos
não-pandêmicos –, é vagabundo. Se estuda demais, não tem vida. Se gosta de
viver recluso, é antissocial (no sentido ruim da palavra). Se tenta escutar o
que os outros têm a dizer, está tentando agradar a todo mundo. Se você é gentil
e bondoso, as pessoas te julgarão como falso.
Parece que vivemos em um mundo
que busca o melhor, mas que, na verdade, apenas continua a propagar – talvez,
até mesmo, de forma mais intensa – o mesmo ódio que motivou aquela busca. Somos
filhos do ódio, da raiva, do preconceito e da intolerância, mas, mesmo tendo a
consciência de todo o mal que essas atitudes fazem, muitos de nós ainda tentam
usá-las como ferramentas para afirmar-se enquanto bons sujeitos – e aqui não me
refiro apenas aos extremistas.
Vivemos em um mundo marcado pelo
ódio em que alguém não gostar de um participante de reality show é motivo para ser cancelado, em que falar sobre a
própria depressão é ser coitadista, em que agradecer pela nota baixa em algo
feito por você é estar afrontando, em que mostrar a própria felicidade é ser
alienado, em que ser quem você é nada mais é do que um exagero, uma falta de
noção... Vivemos na era do ódio gratuito que não aparece nem mais através de
avatares ou de contas fakes (como há
quase dez anos atrás, por exemplo). Vivemos numa era do ódio escancarado, que
se mostra como uma forma de se auto afirmar enquanto bons sujeitos em
detrimento da gentileza para com o outro. Vivemos tão imersos nesse modelo que
qualquer pessoa que apareça desviando-se disso é vista como alguém a se
combater... Qualquer erro, por menor que seja – e aqui não tiro a sua gravidade
– é motivo para aniquilar o outro.
Somos filhos do ódio e tentamos,
de todo modo, usá-lo para combater ele mesmo.
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