Meio-Dia

- Dá a seta, filho da p...

O taxista gritava pela janela do carro para uma moto que havia acabado de cruzar pela direita no trânsito caótico da metade do dia. No banco de trás, Cláudio estava imerso na profundidade azul da tela do celular. Os seus dedos se moviam numa velocidade quase hipnotizante. “Miriam, pode pôr o frango pra cozinhar e almoçar com o Davi, só chego depois das seis”. Nas notificações, duas ligações perdidas, uma de seu amigo, outra de sua amante. Cláudio não tinha tempo, nem pra um, nem pra outra.

Olhava angustiado para o relógio, os dois ponteiros apontando para lados apostos, um pro norte, outro pro sul. E o coração de Cláudio palpitava e acelerava a cada sinal que se fechava. Aquele não era um dia comum, precisava chegar logo à sala 15 do prédio mais alto da avenida principal. Sua chance de promoção era o que o tinha motivado a se levantar naquela manhã acinzentada de segunda. Gerente sênior da firma. Isso mudava tudo, agora ele poderia bancar viagens para o exterior, comer nos melhores restaurantes e finalmente entrar com o processo de divórcio.

- Tem como acelerar? – falou.

- Tem não, moço. Trânsito é assim.

- 100 paga?

- 150 e tu chega em 10 minutos.

- Fechado.

150 era pouco pra fortuna que o aguardava em alguns quilômetros. O carro acelerou, os sinais abriram, era como se Deus replicasse o mar vermelho, e Cláudio fosse o próprio Moisés. Olhou novamente o relógio, um Rolex falsificado que tinha comprado no camelô pra causar boa impressão na entrevista. “vc tá atrasado”. Mensagem do chefe era o que ele menos precisava agora.

- Mais 50 e tu ultrapassa aquele sinal – falou pro taxista.

- Mas tá vermelho, chefia.

- Mais 100 então.

A promoção era sua. Nada no mundo iria parar Cláudio. Aquele era o melhor dia da sua vida. Ele sentiu seu corpo formigar, suas mãos suavam e seus olhos brilhavam como o sol que refletia no para-brisas do carro. De repente, Cláudio pensou que sua vida se resumia aquele momento, e de fato ele estava certo. Infelizmente, certo demais. O sinal vermelho se misturou ao vermelho que escorria sobre o branco alvo da camisa de Cláudio. O taxista tinha esquecido de dar a seta.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Resposta da Ninfa ao Pastor – Walter Raleigh

Sentimento #016 – O Significado do Amor